sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

AS MINHOCAS E O DIREITO

Quatro mineiros foram denunciados pela Promotora de Justiça Márcia Pinheiro de Oliveira Teixeira Negrão pelo roubo de quatro minhocas. O que deixa perplexa qualquer pessoa de bom senso, até aquelas não ligadas à operação do Direito, é o ato que gerou o processo judicial. Os quatro cidadãos roubaram as minhocas da Fazenda Santa Luzia do Quilombo, de propriedade de Fausto Campolina Teixeira, em Paraopeba, Minas Gerais. Não se indignem, leitores. Não se tratava de umas minhocas de uma espécie qualquer.
Tinham pedigree.
Eram da raça minhocuçus - espécie de minhoca utilizada para pesca, de tamanho maior que o habitual.
Agora, o que vou dizer a meus alunos do curso de Direito?
Com que coragem vou olhar firme (e com postura vertical) em seus olhos?
Está certo o Professor José Baldissera ao afirmar, no último jornal Extra Classe, do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul - SINPRO/RS, que "o professor é um ator que interpreta a si mesmo".
Belíssima frase e, mais que simples exercício retórico, é uma fantástica visão desta que, em minha opinião, é a segunda mais bela e direta relação humana - professor(a)/aluno(a) -, somente superada pela relação entre pais e filhos.
O personagem que hoje interpretonão acredita mais cegamente no script.
Ainda bem!
O Superior Tribunal de Justiça, julgando em 1º de julho último o conflito de competência que lá chegou em 20 de agosto de 1997, acolheu entendimento do relator, Ministro Fernando Gonçalves, entendendo que "apanhar quatro minhocas não tem relevância jurídica.
No caso incide o princípio da insignificância, porque a conduta dos acusados não tem poder lesivo suficiente para atingir o bem tutelado pela Lei nº 5.197/67, que trata sobre crimes contra a fauna.
A pena porventura aplicada seria mais gravosa do que o dano provocado pelo ato delituoso.
Crime contra a fauna, convenhamos. E, depois, há quem diga que o Direito não passa por enorme crise. Certamente os acusados buscavam minhocas, naquele setembro de 1994, para pescar (ou para vendê-las a pescadores) e matar a fome de seus filhos, abandonados à própria sorte pela visão fria que a pós-modernidade neoliberal e globalizante lhes legou.
Enquanto isso, milhares de quilômetros quadrados são devastados diariamente na Amazônia; a poluição industrial e cloacal dos rios brasileiros é vergonhosa; os criminosos de colarinho branco, cada vez mais impunes; o Presidente da República emudece e ensurdece (coiatado - de nós).
E, vem a ilustre Promotora de Justiça se preocupar com o roubo de animais anelídeos.
É demais! Basta!
Temos que ser realistas na interpretação e na aplicação do Direito.
Indiscutivelmente o senso comum teórico dos juristas tem função que não pode ser desconsiderada na formação do Direito e, em especial da interpretação que lhe dá o Poder Judiciário, para onde flui a maioria das controvérsias sociais, individuais e coletivas.
Então a solução já vem pronta, acabada, discutida, bastando adequá-la ao caso prático em discussão.
O próprio ensino tradicional de Direito é assim conduzido, ou seja:- para cada caso há uma solução adequada, conduzindo à solução da lide.
O maior problema reside na autoria dessa solução desvinculada da realidade social em que vivemos, ou, em outras palavras, na concepção em que as partes são transformadas em reclamante e reclamados, autor e réu, suplicante e suplicado, etc., como enfatiza Lenio Luiz Streck, descontextualizadas do mundo real como se fossem mera ficção.
O risco, como acentuado no acórdão do processo nº 296042336, do Poder Judiciário gaúcho, e tantos outros onde foi adotada uma linha garantista (de Luigi Ferrajoli), é confundir as ficções da realidade com a realidade das ficções, como fez a ínclita representante do Ministério Público mineiro.
No meio da minhocultura, a notícia pode ser lamentada. No entanto, os operadores do Direito agradecem. Ao menos, temos agora mais um personagem na história do Direito: a minhoca.

TIROS

Na condição de advogado, atuando na área criminal, não consegui deixar de lado a orientação recebida, provavelmente de outro plano, através de meu irmão, o Professor e Doutor Marcos Spagnuolo no sentido de relatar alguns casos pelos quais passei, na condição de defensor dos imputados. É certo que a sociedade forense é rica em causos onde, em que pese a existência do sofrimento seja de um lado ou de outro, sempre haverá uma forma de contemporizar a dor e, assim, não poderia deixar de trazer à baila o seguinte causo: - Dona cicrana se viu denunciada pelo zeloso Promotor de Justiça de uma das Comarca de Minas Gerais, após exaustivo, mas rico relatorio, nas iras do artigo 15 da Lei 10.826/03, que reza:

Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:

Todavia, narrou a peça acusatória que: - Depreende-se através da simples leitura da peça acusatória que: “...sacou um revolver calibre 32, marca taurus, disparando seis tiros em direção às águas do rio. Não satisfeita, a denunciada recarregou a arma e disparou mais um tiro...”.
Ora, se tem que a conduta levada a efeito não integrou o tipo, pois, rio não é via pública eis que, de acordo com o dicionário Aulete via é o mesmo que:- "Trecho delimitado de terreno que liga dois lugares e por onde se pode transitar ; CAMINHO..."

Chega, portanto, ser interessante o fato de que o Estado tenha se preocupado em tipificar um delito onde a conduta do agente, pelo que se depreende da peça ministerial, em momento algum integrou o tipo não restando outro caminho à defesa que não o de postular a absolvição, pois, uma coisa é uma coisa e, outra coisa, é outra coisa como diz o jargão popular.